Aprendi a falar

Ando tendo uns incidentes familiares a respeito do que eu falo.


Aparentemente ao preencher o espaço de silêncio sou capaz de ofender pessoas. 


Parece que saí da timidez absoluta para a metralhadora de julgamentos. 


É quase como se eu não quisesse ouvir a tão legítima e comum sentença “acabou o assunto” ou “ai, ai, e agora?”. 


Quero que a minha companhia seja interessante. Mas em algum lugar em mim, o contrário da interessância é a falta de assunto, por isso, qualquer coisa para evitar o vácuo.


Nessas intermitências de silêncio julgo quem está a minha volta: “é sério que você não quer saber nada de mim? Vá repita a pergunta que te fiz, é um bom começo, afinal tenho ótimas perguntas”.



E a culpa do silêncio fica sempre com o outro: Ou não quer saber de mim, ou se ofende quando abro a boca.



Semana passada li “Bordados” de Marjane Satrapi. O quadrinho iraniano poderia facilmente ser uma história de família de descendência italiana como a minha (e isso reforça a falácia da tradição derivada de uma origem qualquer: na verdade famílias se parecem e o patriarcado é patriarcado em qualquer lugar).




O livro estava na minha lista de compras e Marcelo comprou para mim. Me encantei com o título, eis que sou uma bordadeira. 



Mas a história não é de bordado. São mulheres arrumando a cozinha após o almoço e contando sobre seus relacionamentos e intimidades de conhecidas. 

Me encantou a falta de pudor daquelas iranianas de casamento arranjado cuja imagem que conheço é apenas de mulheres que de véu nas ruas. 




Mas elas falam tantas besteiras quanto latinas de roupa curta no calor.


E mais uma vez me encontra o pensamento intrusivo: toda vez que me deparo com histórias de época e de outras culturas onde ensinam às meninas sobre relacionamento e sexualidade eu me doo: no começo da adolescência o assunto era um tabu em minha casa, e nos anos finais era desconfortável demais qualquer início de orientação. (Vide a demora para minha mãe notar que eu precisava de sutiã. Meu primeiro sutiã foi minha vó quem comprou, e eu odiei tudo: odiei que minha mãe não percebeu, que foi minha avó que comprou, odiei que minha vó não tinha tato para falar com a jacuzinha que eu era etc).


Assim, ficou por isso mesmo: minha mãe devia torcer para eu ter aprendido e me conscientizado na aula de biologia e ensino religioso. 


E partindo da intimidade daquelas mulheres aparentadas eu tentei recriar o clima. 



Nesse passo, fiquei com a imagem de despudorada, julgadora, infame, grossa, fofoqueira. Mas eu só queria mais intimidade.





Parênteses: Esse assunto perpassa sobre a crítica de gênero: As mulheres são unanimidade ao arrumar a cozinha no fim da refeição. Quando as mulheres entraram no mercado de trabalho, a casa ainda permaneceu responsabilidade delas. Mas essa crítica só vale para as brancas, pois as negras sempre trabalharam.


Mas naquele espírito narrado no quadrinho pareciam bons momentos preparar a comida e depois arrumar a bagunça.





Por fim me lembro do meu primeiro emprego em que eu não sabia o que perguntar para a pessoa que chegava na advocacia. Eu não sabia falar.


Demorei a aprender a falar, aprendi sozinha (a terapia veio depois e ajudou também), mas agora, depois de tanto esforço e silêncios rompidos, não querem me ouvir.





Obs: já não dói mais, mas doeu por 03 dias que minha mãe não gostou que eu disse “Amore, em minha defesa não chamei ninguém para o café da manhã”, dia 26/12/2023 minha família voltou de Santa Helena e passou na minha casa pela manhã sem avisar. Também chamei Sofia de Mortícia, um ícone de beleza gótica, mas ela não gostou. 


Obs2: Fui nesse fim de semana para Santa Helena ver meus avós, e o assunto por vezes acaba. Queria ficar em silêncio, ouvir mais e me preocupar menos em ser agradável. Vamos ver se consigo na próxima.


06/01/2024 - Seu Catonho tem 89 anos



EXTRA: a Lília de 19 anos, quase 20, quer falar:


Domingo, 14/12/2014, início do relacionamento com o Marcelo (namoro mesmo só a partir de 24/12/2014)


 O dia em que minha mãe fez pão


Há duas coisas que minha mãe não faz: a primeira é pão, a segunda é falar sobre coisas de mãe. Naquele dia ela resolveu fazê-lo. Óleo, farinha, fermento, irritação, bagunça, cansaço, sal e água quente, e a massa estava quase pronta. Gritou-me "filha", "sim", "venha aqui". Fui. Disse-me: "pegue a farinha e vá pondo aos poucos em minhas mãos, pra não grudar". Obedeci, e aproveitei para perguntar-lhe sobre a vida, sobre os últimos dias, nestes em que estava extremamente irritada e nervosa, fazendo as coisas com um pressa que não é dela e com um desânimo que não deveria ser de ninguém. Para responder, divagou, disse que estava melhorando. Abstração que funcionou, para mim, como implícitos pedidos de desculpas; aceitos, também, implicitamente.

A farinha não foi suficiente, mas a pouca abertura que lhe dei, foi. Peguei mais um pacote e fui, pausada e constantemente pondo mais do trigo, ritmo que a conversa copiou. A linda senhora alertou-me sobre a vida e os sustos que ela pode nos dar. Discorreu sobre planejar e replanejar tudo o que se quer fazer. Decidir o que se quer. Aproveitar, é claro, mas ser egoísta e fazer o melhor pra si. Deu exemplos de situações que fugiram de seu controle, em momentos em que não havia estrutura para tanto, mas que, obviamente, ela conseguira superar. Mais que conselhos, o que ela fez foi abrir-se pra mim, em coisas de mãe.

Sovava o pão numa inexperiência visível: a falta de destreza em seus seus socos e empurrões revelava sua nenhuma intimidade com o alimento cru. Enquanto falava, passou quase que o tempo todo olhando para baixo, para a bacia, com olhos de constrangimento. Mantinha seus olhos perdidos, mas amáveis, ainda que seus gestos parecessem odiar o que manuseavam.

O dia em que minha mãe foi fazer pão foi uma ocasião inédita em minha casa. Mamãe poderia, pura e simplesmente, ter ido comprar o pão. Ou poderia ter escolhido outra massa, uma mais leve, fácil e menos pegajosa, uma que conhecesse "decor" a receita. Poderia ainda, ter ido só descansar, algo que, a julgar pelos últimos dias,  precisava imensamente. Mas ela não o fez, sabe-se lá por quais motivos.

O pão, com certeza, poderia ter sido deixado de lado, mas a conversa, as desculpas, a reconciliação e os conselhos vieram como uma visita boa. Impagável sensação, irrecusável abertura. Coisas de mãe que não podem ser deixadas de lado. 14/12/2014

 

Oi! Fiz pela tarde, talvez eu termine-o :)





12/2023 - bordados de 2023

12/2023 - bordado de 2023

2023

2023


23/12/2023 - minha festa de aniversário

23/12/2023 - meu par



23/12/2023 - minha festa de aniversário

23/12/2023 - a fenda é o novo decote


Na busca por intimidade.




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