Um menino de dar pena



Remexendo nas pastas dos réus presos reencontrei uma há tempos esquecida. O processo está regular, com o devido agendamento de progressão lançado. Apenas dei atenção ao preso porque já tive muita dó desse menino.

Veio de Goiás roubar o Sicredi de Lucas do Rio Verde. Permaneceu preso o processo inteiro, descobrimos depois de muitas visitas que tinha mandado de prisão de uma execução no estado de origem. Outro roubo.

Mas minha pena nasceu quando ele foi refém na rebelião do ano passado, levou tiro e tudo. No mês seguinte ao incidente incluímos todos os feridos na visita, fui eu quem falei com esse em questão. Me disse que o tiro passou de raspão no ombro, a bala estava visivelmente alojada na clavícula. Mas o que realmente o incomodava era ter “caído” no raio e quebrado o dente incisivo. Sentia dores. Não bastasse, estavam surgindo feridas pelo corpo, pediu para tirar a camisa, eu disse que sim, e vi umas manchas roxas e amarelas (talvez pus) se abrindo. Como não ter dó de tantos incidentes reunidos?

Eu o informei que a mãe havia estado na cidade para tentar vê-lo após o término da rebelião, mas não foi permitida. Ele remexeu a boca e o nariz, acho que com pena. Ela não seguiu minhas orientações de não vir. Nem passou na Defensoria... podíamos ter feito pedido de visita extraordinária. Pena em dobro.

Faz um ano desde a última palavra com ele, a princípio vai progredir em outubro. Mas imagine! É um menino sozinho em Sinop. Apenas ele e facção.


02/07/2018



Obra:  “A incredulidade de São Tomé”. Pintura do século XVI (1599).  Caravaggio. Mostra São tomé cutucando as feridas de Jesus.



#DefensoriaMT #memórias #2018

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