Constelação familiar e acoolismo




Minha mãe novamente trouxe o assunto de que alguém fez constelação familiar e amou. 

Os primeiros foram a família do tio (Gordo) porque “os meninos são muito fechados”.

A amiga da minha mãe é minha madrinha. Ela é mãe solteira do Júnior, que tem o nome do ex marido desocupado. Atualmente ela namora o – chamemos de – Raul, que é alcoólatra. Ela diz que sabe, pelo modo como ele para a caminhonete no meio-fio da casa dela, se ele bebeu. As irmãs dela combinam várias viagens, mas não gostam do Raul porque ele fica chato embriagado. Júnior também não é um gênio, é devagar na escola. Ela fez a constelação familiar, de forma individual com uma massoterapeuta.

Procurei na internet como se forma nisso. No primeiro site não descobri o preço, mas fiquei sabendo dos três princípios:

• Pertencimento: é um lugar dentro do coração do outro e o outro no seu. Ou você é pai, ou filho, ou tio; confusões nessas denominações provocam desastres na conexão.

• Hierarquia: os novos reverenciam velhos (foi usada essa palavra).

• Equilíbrio: troca na mesma medida ou apenas dar e receber sem via de mão dupla, a depender da hierarquia e pertencimento empregadas na relação. Ele disse que pais dão e filhos recebem, o contrário não é correto (parece que essa premissa se aplica em todos os momentos da vida – exceções serão abrangidas no curso).

No segundo site descobri o preço: no boleto são duas vezes de R$ 594,00. Será que a massoterapeuta faz os dois atendimentos ao mesmo tempo e cobra o dobro por hora?

Já disse a mim mesma que não quero fazer constelação familiar – digo, lavar roupa suja com minha família – porque não quero revisitar sentimentos já sedimentados em mim.

Mas talvez o que me irrite mesmo é usar o nome cafona para conversar com alguém.



Ps: Será que meu tio ser alcoólatra não é o problema central daquela família? Culpar os meninos por serem fechados é não tomar para si a responsabilidade de como ele moldou os próprios filhos. Ele que estava o tempo todo lá, que manteve o casamento, que mora com eles até hoje. Quem tiver olhos, que veja.




Como esse texto partiu para o alcoolismo seguem histórias do meu vô:

Meu vô já ficou internado na clínica Allan Kardec por dois ou três meses no início do casamento. Depois disso, ficou dois anos sem beber, mas depois voltou com toda a força para nunca mais parar. Durante o tempo que ficou no centro, minha vó ia na Igreja e as mulheres perguntavam: é verdade que o Catonho foi internado na clínica de louco? No manicômio? No reformatório? Ele era bravo com você? Minha vó respondia que ele não era bravo, nem batia nela, mas bebia todo dia e ficava chato.

Minha vó disse que nunca pediu diretamente que o marido parasse de beber. Só pedia a Deus em suas orações. 

Depois de anos rezando, tentou um pozinho que viu na TV quando foi para cidade. O pozinho era misturado ao suco e após ingerido, se misturado com o álcool gerava reação e a pessoa vomitava. Depois de duas ou três vezes meu vô descobriu e brigou com minha vó de um jeito que ela nunca mais tentou mais nada. 

Meu vô não era um bêbado agressivo, mas por ser chato deixava minha vó brava. Uma das lembranças da minha mãe é de uma briga deles que termina com D. Rosa dando uma frigideirada na cabeça do velho. Minha mãe criança só se lembra da gordura escorrendo pelos cabelos dele. 

Se meu vô dormia sem comer, acordava dali algumas horas fuçar as panelas. Se comia antes de se deitar se sujava todo. Deitava sem tomar banho, porque tomava antes de ir para o bar.

No outro dia, para ele, era como se nada houvesse acontecido. 

Sempre houve um bar na esquina da casa deles. Parece até que foi um dos motivos pelos quais escolheram aquela casa. Não porque tinha dois quartos, um terreno grande, uma mangueira. O motivo principal: um bar a menos de cem metros de distância. 

Teve um ano que o bar do Soró fechou, daí ele ia no Batoré, que era a umas três quadras, mas tinha que atravessar a avenida. Uma vez ele caiu que precisaram chamar o bombeiro. Como conheciam o velho foram chamar minha mãe. Lá foi ela e meu vô para o hospital. Ele quebrou o óculos e torceu o pé. Ficou algumas semanas com uma botinha porque trincou o tornozelo. Naquele dia ele tinha comprado um pé de alface e a pessoa que foi avisar minha mãe trouxe também o pé de alface. Ela ficou com vergonha de avisar minha vó e só colocou a sacolinha suja numa das cadeiras da área. Dali uma ou duas horas volta minha mãe com meu vô de botinha e minha vó nem tinha dado por falta deles. Meu vô teve a audácia de dizer: “E você nem foi me visitar no hospital, hein, Rosa”.

Na primeira compra do mês na casa nova, Seu Catonho pôs o litro de pinga no carrinho. D. Rosa seguiu na busca por mantimentos. Na hora de passar no caixa, ela deixou o litro para trás sem que ele percebesse. Minha mãe, com seus trinta e altos, disse que teve pena do velho de mais de sessenta. Segundo minha vó, aquele ato foi determinante para que a pinga não fizesse parte da compra do mês. É como se dissesse: “pinga só daqui para fora”.

Uma vez meu vô trouxe uma gaiolinha de passarinho artesanal que conforme você batesse uma palma ela fazia um piado de passarinho lá dentro. Meu vô trouxe e ensinou como brincar, mas aquele velho bêbado falando mole e devagar não tinha graça nenhuma, era outra pessoa, nem ligamos. Depois minha mãe brigou conosco dizendo que não demos atenção para meu vô. Aqui um aviso: cuidado com o que se fala perto de crianças: as adultas reclamavam que meu vô era chato bêbado, então levei isso ao pé da letra e o tratei como tal depois da embriaguez. Mas me parece que o correto era fingir que nada estava acontecendo.

Meu vô bebeu a vida inteira “escondido”, de forma velada. Então durante os churrascos na casa dele ele quase não bebia com as pessoas: ela pegava uma latinha e seguia para o quarto. Bebia uma com as pessoas e duas lá dentro. Bebia pelas metades, quente e cerveja de baixa qualidade. Ele é um clichê de bêbado. E o que completa o clichê é ele não ajudar na compra do mês mas dar dinheiro para buscar mais cerveja no almoço de domingo.

Meu vô é alcoólatra, meu tio, meu pai. O namorado da minha madrinha, o irmão e o filho da vizinha. Vários dos assistidos da Defensoria. 

Eles estão por aí, por todos os cantos, envenenando as famílias, enquanto os demais astros da constelação ficam procurando técnicas para saber o que há de errado com elas. 




Obs: Primeira obra: O Bêbado Amargo, Adriaen Brouwer, 1630 - 1638



Bêbado, Albert Anker, 1868



Operários, Tarsila do Amaral, 1933




A Noite Estrelada, Vincent van Gogh, 1889

 

#mãe #pai #vôCatonho #alcoolismo


Comentários

  1. Hoje levamos vô no médico porque ele estava com diarreia. Na volta o Soró, primeiro dono do bar da esquina, logo que meus avós mudaram para rua dos Monjoleiros, veio fazer uma visita. Ele está de passagem. Está morando no sul.

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