UTI

Vó Rosa foi para UTI há dois anos. Voltou com ótimas histórias como a do ladrão que levou uns tiros e não se comunicava em nada mais do que um som molhado de língua. Essa avó sempre teve medo de UTI, assim como da Santa Casa de São Paulo: “a UTI é um caminho sem volta” e “na Santa Casa dão o chá da meia noite”. Assim, quando ela voltou beníssima da UTI, desfiz também aquela imagem mental determinista.

Dessa vez foi Vó Valéria quem foi para UTI. Antes da visita minha tia me alertou: “você já foi numa UTI? Vovó está entubada”. Quando cheguei, não achei tão mais ruim de como ela já estava. Mas o rosto me pareceu inchado, tia Mayra me mostrou inícios de escaras, uma pele com aparência de assada, esfarelenta. “Em casa eu passava um ‘olinho’ (óleo)”, disse ela. Os tubos machucavam o palato dela, havia sangue seco.

Olhei seus pés, que na última internação estavam furados de soro, a mão já estava roxinha demais. Dessa vez, estavam embalados numa botinha de ataduras, como um sapatinho de frio. Vó Rosa também precisou numa de suas noites de UTI, a artrose não é nada acostumada com ar condicionado.

Ontem meu pai, descaradamente se expressou mal no facebook e anunciou a morte dela. Eu julgo, mas não é tão diferente da sensação que tenho. 


Sinop, MT, 30.01.2020 







Foto comigo é de novembro/2019, um ano antes da morte dela.

Foto sozinha é de abril/2019, quando ela ficou dez dias na casa de repouso para Tia Mayra tirar umas férias. 

Em ambas ela já não falava.



#vóValéria   #Vó Rosa  #avós

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