Alucinações

“Cacefo não morre”, diz minha vó que pertence aos Carrara. Antes de morrerem noventenários, centenários, eles perdem a cabeça. Os exames do meu vô estão ótimos. Nada de glicose, colesterol e triglicerídeos altos. Plaquetas, ferro e hormônios masculinos em níveis bons. Mas o derrame e o remédio tarja preta o deixou confuso. 

Semanas atrás ele andou chamando a vó de mãe, nessa semana gritou de noite para ela dizendo que o quarto estava pegando fogo: “olha a fumaça no teto!”. E de ontem para hoje ele disse que aquela não era mais sua casa, que minha mãe tinha levado ele e minha vó para essa casa na beira do rio (“corgo”) cheio de malária para que ele morresse de vez. Perguntei o endereço da casa dele, ele disse que era na monjoleiros, 222, mas aquela casa velha não era a dele. Aquela casa onde estava não era a casa de alvenaria que morava na cidade. 

Quando minha mãe nos avisou de manhã achei que ele quisesse ir para a casa da mãe dele lá na Noite Negra. É uma região de relevo e no fim do dia eles jantavam e sentavam na campina em frente a casa para esperar a noite cair. Pensei que ele quisesse isso (talvez eu quisesse ver como era), mas não, ele simplesmente não via mais a casa dele com os mesmos olhos de vinte anos atrás.

Cacefo não morre, e antes de morrer doido, deixa todo mundo doido.

Meu vô disse que ia chamar um táxi e ir para casa dele. Que iria chamar o tio Pituca e ele o levaria para a casa dele. Mas não quis entrar no meu carro para que eu o levasse. Ele se negou a almoçar pois faria greve de fome até voltar para sua casa original. Embora saiba das suas limitações e da dificuldade para sair de casa, ele realmente acreditava na ideia de que na boca da noite foi trazido para uma casa que não era sua.

Edineia dorme com eles a noite e disse que ontem ele ficou inquieto das 20h às 23h, abrindo a geladeira e portas dos armários da cozinha deixando-as abertas, voltando para o quarto e assim repetidamente. 

Uma amiga com a vó idosa e sem boas funções dos rins disse que o médico alertou que em breve começariam as crises. E como seriam? De pura alucinação dolorosa.

Se um dia eu achei que o vô e a vó irem morarem com minha mãe e o salário da cuidadora noturna ser revertido para uma empregada diurna seria a melhor opção, hoje eu vi que essa não é uma opção.

A casa é a mesma, quem chamei ele para ver do lado de fora, mas não quis, quem sabe se tivesse visto a rede lá no fundo ele se lembraria que aquele era seu lar.

Casa da Rua dos Monjoleiros, quase sempre verdinha, uma época foi cor de abóbora.


#vôCatonho #avós

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